Olha onde chegámos hoje.
Veja como estamos e onde estamos.
No fundo, a culpa não é nossa… mas talvez seja. Aliás, sim, é nossa também. Foram as nossas mentiras, as nossas falsidades, as nossas armadilhas e os nossos truques que nos trouxeram até este ponto. Hoje duvidamos de tudo e de todos. Só a morte, infelizmente, é que ainda nos dá certezas ,certezas de que algo não era teatro, não era truque, não era distração, e muito menos aproveitamento político ou social.
Durante muito tempo, o desaparecimento de uma mulher era motivo de alarme geral. A sociedade unia-se. Havia corridas, havia mobilização, havia preocupação real. Mas o nosso passado recente estragou isso. Tivemos casos de mulheres que fingiram sequestros. No fim, descobriu-se que estavam bem, vivas, confortáveis, algumas até nos braços de quem chamavam de “anjo salvador”. Outras estavam apenas num passeio, desligaram o telefone e depois voltaram como se nada fosse.
Com esses episódios, a sociedade perdeu a sensibilidade. Hoje, quando alguém desaparece, o comentário padrão nas redes sociais é sempre o mesmo:
“Ah, está na casa do namorado.”
“Deve estar a passear.”
“Ela vai voltar.”
Tudo foi normalizado. Tudo virou piada. Tudo virou suspeita.
A mulher já não tem aquele peso quando some. Hoje, acredita-se primeiro na mentira antes de se acreditar na dor. Só a morte parece ser, tristemente, a única prova aceita para confirmar que o caso era verdadeiro.
E isso é grave.
O caso que chocou mas não comoveu
Circula nas redes sociais, de forma intensa, um conjunto de vídeos de uma mulher torturada pelos seus raptores. Imagens fortes, difíceis de ver duas vezes. No primeiro vídeo, os homens dão-lhe chapadas para “facilitar o resgate”. Como não houve resultados, avançaram para outro nível. No segundo vídeo, a mulher aparece acorrentada, sem a blusa, a receber chapadas violentas, como prova de que queriam dinheiro.
Sem sucesso, os raptores agravaram ainda mais a violência. No terceiro vídeo, a jovem aparece a sangrar, desesperada, gritar de dor. A única voz que se ouve é dela ,nem os raptores falam, talvez para não serem identificados. É um vídeo perturbador. Um vídeo que mexe com qualquer pessoa que ainda tenha humanidade.
Mas o que se vê nas redes sociais é assustador:
Poucos estão comovidos.
Poucos acreditam.
Poucos se solidarizam.
A maioria acha que é mais um truque. Mais um caso para chamar atenção. Mais um teatro. O passado assombra o presente.
Precisamos sempre esperar pela morte?
A pergunta que fica é: até quando?
Será que precisamos esperar que ela apareça num mato, sem vida, para acreditarmos que o caso era sério?
Será que vamos continuar a esperar para dizer “paz à sua alma” para só depois percebermos que aquele grito era verdadeiro, que aquelas lágrimas eram reais?
A verdade, essa, só Deus e as próprias vítimas conhecem. Nós, como sociedade, não podemos continuar a julgar todos da mesma forma. Não podemos abandonar alguém que talvez esteja a precisar da nossa voz para sobreviver. Não podemos permitir que o passado destrua a nossa capacidade de ajudar no presente.
Num dos vídeos, ela grita, com voz quase a desaparecer:
“Eu já estou cansada, me matem.”
“Me tire daqui”
São frases que rasgam o coração. Frases que só quem está à beira da morte diz.
Como disse acima no título, reconheço que
Estamos a viver uma crise de confiança. Uma crise que nós mesmos criámos. Mas não podemos permitir que isso custe vidas. A dúvida é compreensível mas a indiferença não pode ser normalizada. Se existe a mínima hipótese de que alguém está realmente em perigo, então o nosso dever é ser humanos primeiro, e juízes depois.
A compaixão não pode morrer porque alguns mentiram no passado.
A vida de alguém não pode depender das nossas frustrações colectivas.
Hoje é ela. Amanhã, pode ser alguém que conhecemos.
